Por amor às cidades
Temas de discussão: Arquitetura e Urbanismo. Planejamento Urbano. Patrimônio Histórico. Futuro das cidades. Pequenas e médias cidades. Architecture and Urban Planning. Heritage. The future of the cities.
23 maio 2025
18 maio 2025
RIOS ESCONDIDOS
Artigo publicado no jornal Folha da Mata, Viçosa-MG, em 15/05/2025
Muitas cidades brasileiras cresceram ao longo de córregos e rios e, desta forma, acabaram escondendo-os entre prédios, muros, asfalto e concreto. Infelizmente, só lembramos desses cursos d’água quando ocorrem as enchentes, os alagamentos nas garagens subterrâneas ou nos quintais; quando se abrem crateras nas ruas, que engolem carros e pessoas. Esquecemos que, além das generosas leis da natureza, há as vulneráveis leis dos humanos.
As leis da natureza têm seus próprios ditames, seu próprio tempo, seus comportamentos às vezes exacerbados para nós. Os rios reivindicam os leitos e reclamam das formas com as quais suas margens são molestadas. A natureza produz água, esse precioso líquido, faz com que esse flua por fios d’água, córregos, rios até alcançar o mar. Generosamente, há milênios, nos fornece água para que a usemos nas plantações, nas criações e nas casas. Houve época em que os rios nos forneceram peixes e caças. Muitas pessoas ainda vivas contam suas aventuras da infância, de pesca, natação e lazer junto às margens. Povos indígenas cultuam e respeitam os cursos d’água, chegando até mesmo os considerá-los como parentes.
As leis elaboradas pelos humanos “civilizados” vieram para tentar proteger os rios, desde suas nascentes até suas margens. No entanto, essas leis são frágeis, até mais frágeis que os próprios rios; são modificadas, sujeitas à ignorância e à ganância dos homens. Os rios sofrem muito por isso; muitas vezes, tiramos deles mais água do que eles são capazes de fornecer; ou os enfraquecemos ao ponto de não nos serem mais úteis. Destruímos suas nascentes; retiramos sua vegetação marginal. Neles, descartamos esgotos, lixo, entulhos, bananeiras, sofás, todo tipo de coisas. Usamos muito de suas águas para misturá-las ao pó de ferro, para encher os minerodutos e mandar essa mistura para os portos. Com o crescimento urbano, construímos muito perto dos cursos d’água, às vezes, os esprememos, ou os empurramos para os lados. Neles jogamos toda água das chuvas que não foram absorvidas, pelos que um dia foram quintais e jardins; agora impermeabilizados, substituídos por concreto e asfalto. De suas margens, retiramos areia e madeira, extraímos sua cobertura vegetal. Muitas vezes, retificamos seus leitos e chegamos ao ponto de entubá-los; de ignorar que há inúmeros cursos d’agua passando sob nossos pés.
Há muitas consequências dessa negligência para nós, os humanos. Tubulações que passam sob as vias que cruzam os córregos e rios são frequentemente mal dimensionadas ou danificadas. Águas poluídas são mais difíceis e caras de serem tratadas. Cursos d’água são quase impossíveis de serem limpos, desassoreados, desobstruídos ou de terem suas matas ciliares (as que ainda restam) limpas. Isso porque não deixam acesso para que os órgãos de saneamento levem máquinas, caminhões e equipamentos de manutenção. Há mau cheiro, proliferação de insetos, animais nocivos, doenças; sem contar a morte dos peixes que ainda resistem. Nos períodos chuvosos, quando os rios reclamam seus leitos, ocorrem enormes prejuízos materiais e humanos provocados pela força das águas. Nesses períodos adversos, culpamos os prefeitos da hora; exigimos das autoridades providências; buscamos exaustivamente, nos experts em meio ambiente, as explicações. Depois tudo isso passa, é esquecido, até a próxima estação chuvosa, até o próximo prefeito, até o próximo vazamento de resíduos da mineração.
13 maio 2025
LEITO ABANDONADO
11 maio 2025
09 maio 2025
04 maio 2025
DISPERSÃO URBANA
Artigo publicado no jornal Folha da mata, Viçosa-MG, em 2 de maio de 2025
Um fenômeno contemporâneo vem ocorrendo na maioria das nossas cidades: é o que chamamos de dispersão urbana. Inicialmente, Viçosa surgiu e acompanhou os vales; depois se desenvolveu ocupando as encostas e, posteriormente, os topos de morros. A proximidade com o campus da Universidade Federal de Viçosa, com suas atividades iniciadas em 1926, e a facilidade de acesso induziram a verticalização, primeiramente no acesso das “Quatro Pilastras” e, depois, no acesso da via alternativa, que desemboca na principal artéria viária: a avenida Marechal Castelo Branco. Por fim, expandiu-se de forma desorganizada, para além da sua malha viária.
Na cidade, ocorrem outros fenômenos decorrentes do processo de produção do espaço urbano, como a segregação e a produção de vazios urbanos. O patrimônio arquitetônico, em sua maioria, de estilo eclético, está em risco de perdas importantes em função da verticalização. A forma mais visível do crescimento é a verticalização exacerbada, por meio da proliferação de edifícios de sete a doze pavimentos nos bairros centrais (Centro, Ramos, Clélia Bernardes, Fátima, Lourdes, Santa Clara) e em bairros periféricos, a eles, com edifícios de quatro a sete pavimentos (Santo Antônio, João Braz, Silvestre, Bom Jesus, Vau-Açu).
A forma menos visível é a dispersão urbana, que pode ser definida como a ocupação de áreas periféricas, mais baratas, com infraestrutura geralmente precária e isoladas, desconectadas da malha urbana. Isso deixa grandes vazios sem ocupação. A dispersão ocorre de duas maneiras. Uma, involuntária, imposta à maior parte da população: a população de menor renda que não tem escolha e é forçada a se mudar. A segunda forma é a autossegregação, que envolve aqueles que têm a opção de onde querem ou podem morar. Essa produção do espaço em Viçosa, marcada pela transição rural-urbana, encarece o custo de gestão a cidade e impacta negativamente o meio ambiente. Viçosa tem, pelo menos, 26 condomínios fechados ou chacreamentos, com quase metade em áreas rurais e, pelo menos, dez loteamentos periféricos, em condições precárias de infraestrutura. Os recursos do município são gastos de forma desigual, favorecendo os condomínios e chacreamentos fora da área urbana - portanto, ilegais - com a dotação de ao menos parte da infraestrutura urbana (pavimentação, passeios, iluminação pública), enquanto a maior parte dos bairros permanece com infraestrutura precária. Eis o Estado, também segregador, refém — ou parceiro — do setor imobiliário, ajudando a produzir, além da dispersão, uma segregação socioespacial.
A periferia da cidade de Viçosa cresce, expande-se, espalha-se de várias maneiras: seja pela dispersão em direção às áreas rurais, seja nas formas de segregação voluntária e imposta, deixando vazios urbanos e ampliando os custos de gestão do território municipal. O planejamento e a gestão urbana enfrentam dificuldades quanto à produção, regularização e aplicação da legislação urbanística. Viçosa torna-se cada vez mais desigual, injusta e insustentável, ambiental e economicamente. Os pontos aqui levantados indicam uma ineficiência no planejamento urbano adequado e equilibrado, além de descuidos com a gestão do território — problemas que se agravam continuamente. Da forma como está, estamos cada vez mais distantes de uma justa distribuição dos benefícios e dos ônus decorrentes do processo de urbanização, como estabelecido no Estatuto da Cidade e nos Planos Diretores de 2000 e de 2023.